10.25.2007

à ela que não sei quem é

Ela chegou, sem discurso algum que pudesse me deixar constrangido, e foi dizendo que nada do que havia falado era de dentro, era simples, puro, que teria algum significado. Eu fiquei imóvel próximo à estante de vidro, não sabia o que dizer. Que sentimento era aquele? Nenhuma palavra fria que eu dissesse a ela tiraria toda autoridade cruel que a possuía naquele momento. Eu não era ninguém por um único motivo: ela era quem me transformava em ninguém, e naquele momento único (que Deus há de deixar como está), eu senti uma coisa que não era afeição, nem medo, nem qualquer outra coisa que pudesse dar-se nome, mas também, pouco importava o que eu sentia, se eu nem mesmo era. E quem seria eu pra dizer que devo sentir algo? Talvez eu seja só uma estatística singela, sem graça, de algum livro de ciências humanas furado por traças. E eu não queria ser nada daquilo.

Eu era algo muito mais intenso do que achava, mais rude comigo que qualquer outra pessoa tenha sido em minha vida toda. Meus sentimentos eram meus, porque faziam mal apenas a mim. Sempre tentei fugir do que eu quis, mesmo sabendo que nunca conseguiria. O que dizer a alguém que deixei há muito tempo pra trás? Fazer parte do meu passado não deve ser nada fácil, porque eu cismo em agarrá-lo todo o tempo, sou assim, como dizem, um museu.

Eu tenho 21, sou velho, cansado, rabugento e errado. Quem dera estivesse errado sobre tudo o que penso. Não tenho muito que falar, mas mesmo assim falo demais. Não sei dizer se o que fiz está errado ou se tudo o que faço é erro. Eu fui simples um dia, hoje sou complexo, sou louco. E gosto de ser. E não gosto de ser. Querer tudo ao mesmo tempo sempre foi um dos meus grandes defeitos.

Que diabos, vamos voltar a ela. Ela disse adeus, mas também adeus é algo que nunca me chocou tanto, o que seria de mim sem todas as despedidas? Fomos feitos para nos despedirmos. Nascemos pra nos despedirmos, porque quando não somos nós, sãos os amigos que vão. E às vezes, parece-me triste nascer para enterrar meus pais, é só um ciclo. Acho que a vida seria bem mais perfeita se eu enxergasse o mundo de muito longe, da lua talvez. E enxergasse cada pessoa como sendo apenas um pedacinho de um sistema gigante, e não me apegaria a ninguém, porque não conheceria ninguém, só de vista, assim, de bem longe. E eu nem ficaria triste se um deles sumisse, porque se eu ficasse triste a cada velório da minha cidade, teria que ficar triste algumas três vezes por dia, e quem pode ser mais triste que eu?

Não sei porque cismo em dizer que sou triste, se nem sou. Eu sou alegre, geralmente, só estou triste hoje porque estou cansado, e foi um belo dia, e como todo belo dia, contraditório, cansativo. Chuvoso, esse é meu tempo. Não choveu porque eu não quis, mas dentro de mim sempre chove, minha vida é meio molhada, eu acho, como se fosse assim, uma roupa encharcada, desconfortável, que faz adoecer. Embora eu nunca quis ficar doente.

Ela sabia falar muito bem, era de uma retórica aristotélica, sabia usar as palavras como um candidato a presidência da república, ou ao grêmio estudantil, e quem não a conhecesse, diria que estudou em Harvard, Virginia e leu muitos livros. Eu? Oras, eu sempre fui esse pobre coitado, que embora esteja louco pra falar dela, só consegue falar de si mesmo, sempre captando atenção do pior modo. Sou assim, meio perdido nos assuntos, não consigo dizer nada do que quero, mas consigo enrolar como ninguém. Desde pequeno gostei de patinar, é um hobby, patinar e não sair do lugar, nunca. Evoluir? O que seria evoluir pra alguém assim, pequeno, um pingo como eu? E olha que eu nunca consegui convencer ninguém. Minhas idéias são minhas e assim como meus problemas, só compartilho comigo mesmo, eu gosto disso, gosto de ser estranho, gosto de que não gostem que eu seja estranho. Porque ser estranho não é pra qualquer um, mas e daí? Todo mundo é estranho. Todo mundo é estranho, pelo menos, pra uma pessoa, ah, isso é.

Sinto-me tonto toda vez que falo nela, meio sem ar, meio sem rumo. Se eu entendesse de oxigenação, diria que a minha está bem baixa, do meu tamanho. Meu peito não bate, porque diferentemente de todo mundo, meu coração fica nos pés, bem embaixo. Escolhi guardá-lo lá, o peito é muito fácil de alcançar, quanto mais fundo, mais longe e mais escondido dos meus olhos ele estiver, melhor pra mim e pra qualquer pessoa que cruza meu caminho. Geralmente tenho medo, mas agüento.